quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Entrevista :ZIRALDO

Ziraldo faz 80 anos e cita frustração: 'Nunca ter enterrado no basquete' Desenhista oitentão revela vontade de ter 2,10 metros para ser jogador. Autor fala de sua carreira e diz: 'não tenho medo de nada, nem do ridículo'. G1 - Como é ter 80 anos? Quando novo, chegou a se imaginar nessa idade? Ziraldo – Não. Eu tenho falado com minha turma, pessoal de 80 anos, a gente não fazia planos. A gente chega aos 80 anos com o mesmo susto que a gente chega ao Natal. Em janeiro você começa o ano, em outubro você vê o primeiro Papai Noel e pensa: "meu Deus, já é Natal?". Parece que foi uma coisa que aconteceu de repente. Agora, no meu caso, quando eu vivia o século 20, eu sonhava em chegar ao século 21. Como eu fui leitor de história em quadrinhos, eu achava o século 21 uma coisa misteriosa, impenetrável. Mas quando eu lembrava que teria 68 anos na entrada do século 21, eu pensava: "qual a graça de chegar ao século 21 com 68 anos?" Acho que ninguém faz plano pra mais de 60 anos. E aí cheguei ao século 21 e não mudou nada. Sou igualzinho. Descobri hoje uma frase antológica: "A natureza seria realmente sábia, se a cabeça do homem envelhecesse junto com o corpo. Isso é o que deveria acontecer". A tristeza da velhice é não poder dizer mais, isso é a coisa do velho cafajeste: "eu ainda hei de comer essa moça". Se você tiver com esse projeto, vai dar uma mão de obra danada. Não tenho mais 20 anos para esse tipo de comportamento. Mesmo que não acontecesse, essa era uma sensação maravilhoso. G1 - Neste mundo ideal você acha que viveria mais quantos anos? Ziraldo - Meu corpo tem 80 anos, e minha cabeça... Sei lá, não tem idade. Eu não mudei nada. Continuo sentado na mesma prancheta, trabalhando do mesmo jeito, com a mesma intensidade. Me relacionando com as pessoas, com filhos, amigos, do mesmo jeito. Minha turma de infância e profissionais estão todos inteiros. Eu converso com eles e nenhum está preocupado se tem 80 anos. E outra coisa: a gente não conversa sobre velhice, não. G1 - Por que não? Ziraldo – Tem uma coisa muito engraçada. Eu achava, quando via um velho, ancião de 80 anos dando gargalhada, eu dizia: "poxa, mas tá rindo, será que ele não tá vendo que a morte está tão próxima? Como é que faz vivendo tão próximo da morte?". A gente perde completamente o medo da morte. Só existe um medo no mundo, que é o medo da morte. G1 - Se você perdeu o medo da morte, então não lhe restou mais nenhum? Ziraldo – Não, mais nenhum. Não tenho medo de nada, nem do ridículo. Todos os medos são fatos que podem te levar a morte. Então o medo é da morte. E a gente perde um pouco esse medo. Eu acho o seguinte: A Lea Maria [Aarão Reis] escreveu um livro chamado "Os novos velhos". Ninguém pode escrever sobre velhice sem entrar nela. Tudo é especulação. A Simone de Beauvoir escreveu um livro sobre a velhice desastroso. Horrível. Ela trata a velhice como se fosse doença. Mas ela escreveu o livro com 60 anos, ninguém é velho aos 60. Ela chega a dizer no livro dela que elogiar a velhice é uma indecência. A rapaziada de 80 anos, ninguém está falando de nostalgia. É vida que segue. Como diria Neruda, "confesso que vivi." É preciso viver com muita intensidade para não ficar com conversa boboca. Você demora uma eternidade para fazer 17. Aí quando você faz 80, os dias custam a passar, mas os anos passam numa velocidade incrível. Não muda nada. Continuo na mesma prancheta, esticando a mão para consultar um livro. Agora eu tenho uma menina que consulta o Google para mim." G1 - 'Conversas bobocas' seriam as nostalgias, os arrependimentos? Ziraldo – É o cara que não viveu. Eu sempre falo, é aquela coisa do Itamar Franco. Quando ele viu o que era mulher pelada no palanque, como ele agora tinha poder, enlouqueceu. Se tivesse comido mulher na época certa, ele não ficava naquela fissura. Velho fissurado é velho que não viveu a vida. A cabeça do homem deveria envelhecer junto com o corpo. Igual o Oscar Niemeyer. Bota uma mulher do lado e segue a vida que bom mesmo é mulher, entendeu? A fissura não acaba, só que você lida diferentemente com ela. Uma das coisas que ajuda a velhice é essa paz, falar bem de neto, buscá-los no colégio. Para alguns, a grande tristeza da velhice é não poder dizer mais, isso é a coisa do velho cafajeste: "eu ainda hei de comer essa moça". Se você tiver com esse projeto, vai dar uma mão de obra danada. Não tenho mais 20 anos para esse tipo de comportamento. Mesmo que não acontecesse, essa era uma sensação maravilhosa. E essa não tem mais jeito, você não tem mais tempo. A probabilidade de eu fazer 100 anos é mínima. Só 10% dos caras que faz 80 anos chega aos 90. No cemitério só tem cara que morreu com 84, 85. G1 - Você é um homem conservado. É vaidoso? Acha que aparenta a idade que tem? Ziraldo – Conservado é a puta que te pariu. Mas menina, eu era muito bonitinho e nem sabia. Mas continuo com os mesmos gestos. Estou arrastando um pouco o pé. Sabe que quando eu chego no aeroporto, e vou andar até chegar ao estacionamento, todo mundo fica olhando. Eu comentei com o Zuenir (Ventura) que outro dia eu tropecei no taco. Então, quando chego ao aeroporto e vejo todo mundo me olhando, dou uma parada e encho o peito e ataco de John Travolta. Chego morto de cansaço no táxi, mas o cara que me vê fala: "Olha lá, o Ziraldo parace o John Travolta". Agora não tem mais octogenário, é tudo oitentão. G1 - E sua rotina? Ziraldo – Minha vida não muda nunca, nada. Trabalho no mesmo lugar. Por isso que o tempo passa veloz para nós. A diferença entre uma criança e um velho, é que o tempo da criança passa muito depressa, mas os anos passam muito devagar. Você demora uma eternidade para fazer 17. Aí quando você faz 80, os dias custam a passar, mas os anos passam numa velocidade incrível. Não muda nada. Continuo na mesma prancheta, esticando a mão para consultar um livro. Agora eu tenho uma menina que consulta o Google para mim. G1 - E você mexe bem na internet? Ziraldo - Eu tenho uma equipe de pessoas virtuais, não sei nem ligar, eu nunca peguei num mouse. Não faço questão. Para quê? Mas eu conheço todas as ferramentas do Photoshop. Tenho um cara maravilhoso, que tem uma paciência danada. Faz tudo que eu falo. Eu pago taxa de insalubridade para ele, por causa do bafo no cangote. Eu fico atrás dele, falando o que fazer. Quem entra na porta do estúdio pensa que é uma coisa indecente. Eu continuo desenhando tudo na prancheta. Depois passa para o computador. Agora eu deixo para colorir lá com eles. Peço um céu mais azul. Eu fazia tudo com tinta. Em documentários, entrevistas, você é sempre citado como um excelente chargista, educador, jornalista, desenhista, humorista. Tem alguma função que você gostaria de ter realizado, exercido e não conseguiu? Ziraldo – Eu queria ter dois metros e dez centímetros para jogar basquete. A única frustração é nunca ter enterrado. Eu fui o pior jogador de todos os times que joguei, sempre. O time de Caratinga ia fazer uma excursão, lá ia eu. Tinha aquele bate-bola antes do treino. Eu tinha o uniforme mais bonito, tênis mais bonito, jogava a bola na bandeja e tudo mais. O sucesso que eu fazia com as moças. Começava o jogo, o técnico me colocava no banco. Elas perguntavam: "cadê ele, cadê ele?". E eu lá no banco. Você acha que eu entrava? Mas nunca! Só se a gente tivesse perdendo de muito, 20 pontos, que ele deixava eu entrar. E esse negócio de não poder enterrar uma bola? Agora tem esse negócio de promoção automática. Criança não é cabo, sargento, não tem que ser promovido. Precisa preparar a professora. Ela precisa devolver essas crianças, cuidar, ter relação com a mãe, a família. Rito de passagem e uma professora só, é só isso. Te juro que é só isso." Ziraldo G1 - Você já disse que tem dificuldade de lidar com críticas. Talvez porque você tenha enfrentado poucas, não? Ziraldo – Eu trabalhei tanto na minha vida, fiz tudo com tanto capricho, se alguém quiser me criticar eu falo "ah, meu filho, não chateia não". Nunca fui leviano no meu trabalho. Se você analisar bem, você pode não gostar, mas é muito caprichado. Eu sempre fui um cara caprichoso, cuidadoso. E trabalhei feito um cão. Eu pego a lista das coisas que já fiz, só de camiseta fiz mais de 600. Cartazes, o meu livro tem 400. Eu desenho o tempo todo, guardo tudo. Agora se alguém fala: "Oh, Ziraldo, seu trabalho é uma bosta". Eu respondo: "Ah, vai pra puta que te pariu. Como é que meu trabalho é uma bosta?". Eu nem ligo. G1 – Com o livro 'Flictis – a história das cores' – você começou a discutir a questão do respeito à diferença, da educação. Vê de forma positiva as políticas de cotas? Ziraldo – Eu tenho a solução para a educação brasileira. O que está errado é o ensino fundamental. A coisa mais importante é colocar livro nas mãos das crianças. Elas têm que ler, escrever e contar. A sociedade toda estará mobilizada para que a leitura seja como respirar. O sujeito analfabeto não arranja emprego. A forma de vencer na vida é se jogar bem futebol, ou lutar nesta merda que inventaram agora. O cara que não sabe ler é um aleijado, um deficiente físico. Vamos parar de ensinar besteira. Agora tem esse negócio de promoção automática. Criança não é cabo, sargento, não tem que ser promovido. Precisa preparar a professora. Ela precisa devolver essas crianças, cuidar, ter relação com a mãe, a família. Rito de passagem e uma professora só [durante todo o ensino fundamental], é só isso. Te juro que é só isso. E chega que eu já cansei de falar. Meu estúdio é igual consultório de homeopata. 1 - E a politica de cotas? Ziraldo – Está tudo errado. Essa coisa de cotas precisa ver, mas tem que se preocupar com o ensino fundamental. Os meninos estão chegando analfabetos na universidade com ou sem cota. Isso é muito polêmico, não tenho opinião formada, não. G1 - Você já flertou com a política diversas vezes durante a carreira. Ainda teria pique para se engajar? Ocuparia algum cargo politico? Ziraldo – Nem pensar. Artista tem que fazer arte, e burocrata tem que burocratar. Não pode colocar médico no ministério da saúde. Tem que colocar um bom administrador. G1 - Como avalia o cenário político atual? Ziraldo – Como mineiro, eu te digo: estou onde sempre estive, com meu passado, meu presente e meu futuro. G1 - A Turma da Mônica ganhou gibi com a versão adolescente dos personagens. Isso poderia acontecer com o Menino Maluquinho? Ziraldo – Não, o personagem não existe. Ele é uma hipótese. Um menino de oito anos não vive as quatro mil aventuras que ele viveu. Em um livro, criei um personagem. Eu não sou um cara de história em quadrinhos. Nem pensar, eu não vou fazer o Maluquinho adolescente. Ele é um modo de ser, uma instituição. Ele está pronto. Para ler mais notícias de Pop & Arte, clique em g1.globo.com/pop-arte. 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